
Uma maçã, duas bananas, 400ml de leite, um pão, um ovo e presunto. Eis o começo de um dia, que começa sete vezes por semana. De um modo completamente previsível. Dentro da ordem do cotidiano. Todos os dias o sol nasce e com ele a rotina de cada um de nós. A maioria de nós têm muito pelo que levantar pela manhã: educar seus filhos, dar comida para os cachorros, etc. qualquer destas coisas triviais que fazem o dia de qualquer cidadão de bem ser justificável. Contudo, para alguns, o único motivo de estar vivo é a imagem que de si reflete diante do espelho. Poderia dizer que este é o meu caso.
Minha vida segue sempre o mesmo ritmo. Acordo às nove da manhã, muitas vezes acompanhado. Como algumas frutas, pão e leite e começo uma rotina de trabalho que se processa em meu próprio quarto, na maioria do tempo. Muitos me chamam afortunado por poder me dar a tal luxo: tenho um mundo ao alcance de meu dedo. Falo com meus clientes pela internet, ouço clássicos da música mundial pela internet, a tv me informa o andamento da sociedade. E uma faxineira limpa o meu quarto que vive em eterna desordem, minha vida inteira cabe em 11,55m², 13,60m de perímetro, 3,30x3,50m. Neste espaço eu trabalho, como, me divirto, recebo amigos, fodo, etc. As atividades básicas de um cidadão contemporâneo desenvolvida na menor das arenas. Na verdade, o único motivo que me forçaria a ter de sair de meu quarto, se decidisse me manter refém em minha própria casa, seria o de ter de ver uma latrina na hora de defecar, sim, somente neste momento, pois poderia mesmo urinar por minha janela e não ser incomodado por isso, exceto pelo mau cheiro que o vento me traria.
Sim.
Mas este é um prólogo muito extenso, que não deverá estender-se muito. Pretendo falar de como eu decidi morrer. Calma meu leitor, esta não é a minha carta de suicídio. Suicídio é por hora tema fora de cogitação, deverás piegas. Simplesmente resolvi compartilhar um pensamento que me acometeu, quando me dei conta de minha semi-inutilidade. De quanto eu me tornei um cidadão vazio, quase um fantasma sem uma mansão que lhe justifique a presença.
Tenho uma vida invejável para muitos, não me canso de ouvir elogios o dia inteiro. Tenho sou totalmente independente de meus pais, mal terminei de me graduar e já consegui não apenas ingressar em minha pós-graduação como trabalhar em minha carreira como autônomo. Sou arquiteto, e não apenas tenho já meus próprios projetos, como leciono e estudo.
Tenho três obrigações mínimas por dia que simplesmente amo. Mas ainda assim me sinto vazio, inútil. Tenho a vida sexual que sempre pedi, tenho amigos que amo
Nossas historias serão vividas com toda a excitação que nos cabe, mas somente.
Mesmo para a Delfina da França a vida foi efêmera demais, e depois o vazio da morte, e o que dela vem de mais medonho, o esquecimento. Pois ao contrario o que aconteceu com Antoinette, a historia não falará de nos, não falará de mim. Pois sou medíocre. Inda pior, sou medíocre e recebi instrução e educação em níveis muito pouco saudáveis, e estas duas que são as drogas mais nocivas desenvolvidas pela nossa sociedade, retiraram muita da mistificação que nos leva, que me levaria, a ver a vida como um evento um pouco mais feliz. Um pouco menos destrutiva.
Pois a vida é sim destrutiva, e mais uma vez é a arte quem me fala disto. Pois vejo numa moldura a imagem de minha avó quando jovem, uma beleza que competia com a de Carmem Miranda, exceto por estar minha avó séria, sisuda. Minha avó é para mim um ótimo exemplo. Ela bebeu, amou, comeu, fudeu, jogou, reproduziu, tudo em grandes quantidades, em com a grande intensidade que apenas uma autentica leonina poderia demonstrar. Mas ao final de seus dias, estava velha, decrépita, muda, oca como a morte. E o retrato de sua moldura tinha ódio do estado em que se encontrava a modelo que lhe inspirou a existência. O retrato odiava a velhice da velha. Por isto estava tão sério. Minha avó passou pela vida e teve dela um saldo bastante positivo, pois viveu e teve todos os prazeres que desejou ter, mas pronto. Foi isso. Hoje ela vive na memória de três filhos, e uns dez netos. Suas irmãs pudicas e católicas fazem questão de esquecer de alguém que lhes mostrava o quanto suas vidas são fracassadas e estéreis como cinqüenta ave-marias, cinco pai nossos e um credo.
No entanto, ter vivido bem a sua vida foi exatamente o motivo da ruína de minha avó.
Hoje, preocupo me com cada fatia de alimento que entra em minha boca, mas mesmo assim quando me olho no espelho vejo a minha barriga a zombar de mim, como prova de meu fracasso, como prova que ela, a minha barriga não aceita a ordem estabelecida nos 11,55m² que eu governo. De que ela que é parte de mim tem sua própria autonomia e obedece a um ciclo que me foge ao controle. O ciclo da minha vida. Que deverá desenvolver-se como esperado. Que me fará um homem velho e feio, que não terá netos. Que viverá num apartamento numa cidade qualquer sem poder criar ao menos um cachorro. E que todas as manhãs escutará alguma música que me provará que apenas a beleza da arte não é consumida. E que meus grandes feitos estarão apenas na memória de meus irmãos se estes não fugirem desta vida antes de mim.
Certamente serei um homem velho com centenas de realizações, com muitas rugas, com uma barriga desobediente e com uma simples dúvida:
Para que?
Um comentário:
Ah, meu filho!! A função da arte não é nos mostrar que somos desprezíveis. Somos nós que a criamos. Sem nós, sem arte. Sem arte, sem sentido. Sem sentido, aí sim, é o fim. Te adooooro amore!! :p
Postar um comentário