
quarta-feira, 27 de junho de 2007
MAU MUNDO

terça-feira, 19 de junho de 2007
leites derramados

PÉROLAS.
Sobre as pérolas, eu as dei muitas, em talagadas, sempre ao auge, coroado com as pérolas que derramava sobre ti, tal qual me oferecia das tuas. Mas as pérolas nunca foram o suficiente para manter alguém ao lado de ninguém, nesse caso toda meretriz seria fiel a seu cliente, nenhuma dama trairia seu marido.
Gostaria tão somente de esclarecer um ponto, um único: sempre fui um “drama queen”, sempre, mas hoje, escrevo por ser apenas um o drama a contar, apesar de todas as pérolas, apesar do que achei que sentia, percebo que no final, restou tão pouco, mas tão pouco, que ninguém sentiu sequer falta de algo. O gran finale não durou sequer cinco minutos, menos de 10 frases, talvez porque as pérolas fossem a única coisa verdadeiramente partilhada.
Não sei.
Mas cá entre nós, sabemos que para os homens nada é mais inútil que pérolas, seus banheiros são testemunhas disso: eu mesmo, sozinho, as deito fora quase duas vezes por dia, outra prova de sua inutilidade é a velocidade com que sempre temos de juntos, ir ao banheiro para tirar os nossos colares de sobre nós, às duas da manhã. Depois de um bom banho as pérolas já estão em seu devido local, a latrina, a fossa. Depois de um bom banho, a sensação libertária do alívio: vamos comer algo, por favor, sinto me exausto.
sábado, 9 de junho de 2007

DE QUASE NÃO SENTIR
30/06/2006
E eu quase não sinto....
Quase não sinto nada por aqueles que não conheço
Quase não sinto nada por aqueles que deveria amar...
E quase tanto quanto isso por aqueles que digo que amo
Pouco importa...
Palavras são ditas o tempo todo, a qualquer um, dizer significa muito pouco
No final, quase sempre são só palavras
E por o serem, são bem menos que vinho,
Já que o segundo costuma ter um prazo de validade bem maior
Além de, quando digno, enobrecer com o tempo
Não importa se
Algumas flores murcham num tempo menor que o de outras
Já que afinal, todas murcham, algo que foge ao seu controle
É a fatalidade por traz da realidade
Não me venha dizer que seu filho importa mais que o meu vinho
A mim não importa
Talvez a ti já que
Cada um de nos é egoísta ao seu modo
A ti preocupa tua miniatura barulhenta
A mim as minhas uvas podres
Tampouco o teu luto vale mais que minha ressaca
Cada um de nos é egoísta ao seu modo
Tu por teu defunto vazio
Eu por minha garrafa vazia
No final... há muito pouca dor neste mundo
E talvez uma única verdadeira
A dor da amputação
Seja de seus dentes
Seja daquela que dizia que te amava
Mas uma coisa é verdade
Dor só é dor de verdade
Porque nos impede de atingir aquilo que mais queremos
Nosso prazer
E há muito prazer neste mundo
E no final é só ele que importa
Seja através de um corpo vazio
Seja através de uma garrafa vazia
Importante é, apenas, não haver barulho, além do da rolha que escapa
domingo, 3 de junho de 2007
CINDERELA (01/05/05)

Perderam um sapatinho de cristal
No meio da rua, da avenida
Cristal de borracha sintética, 39
O pezinho cresceu
Foi uma Cinderela de vinte reais
Cheia de cerveja na cara
E uma língua de nicotina
Tão doce que era ácida
Perderam um sapato e acharam um vestido
Jeans de lavagem química,
Vestido que separa as duas pernas?
Que nada meu bem,
As Cindys de hoje são outras
Os cavalos são Honda
As carruagens Ford
E elas mesma dão carona
Usam OB,
Será?
(a maioria não precisará disso pois não têm fluxo a evitar)
Esquecem a camisa
De Vênus ou não,
No banheiro da boite
A Cindy hoje em dia
Tem um QI bem menor (que eu saiba nunca foi alto)
embora outras coisas possam crescer no meio do baile
Ela deixa o sapatinho de propósito no asfalto
Quando sobe em seu táxi
As cinco badaladas
Doze é a hora para entrar no vestido
Cindy só chega no final do baile
Para matar as outras de inveja
E o príncipe masturbador, a verdadeira princesa, de tédio
Cinderela que se preze, é imitação de Cinderela
Porque as Cinderelas autênticas sabem que o legal é não ser
Cinderela, Rapunzel, ou qualquer outra personagem
Montada por uma fada madrinha de peito depilado
Empastilhada
Que só conhece abóbora de Haloween
Para isso temos Ford
Cinderela que se preze usa 40 mas só veste 36
É imitação mas convence
E até apaixona
Príncipes e princesas
Afinal, um ou outro tanto faz.
sexta-feira, 1 de junho de 2007
UMA MAÇÃ

Uma maçã, duas bananas, 400ml de leite, um pão, um ovo e presunto. Eis o começo de um dia, que começa sete vezes por semana. De um modo completamente previsível. Dentro da ordem do cotidiano. Todos os dias o sol nasce e com ele a rotina de cada um de nós. A maioria de nós têm muito pelo que levantar pela manhã: educar seus filhos, dar comida para os cachorros, etc. qualquer destas coisas triviais que fazem o dia de qualquer cidadão de bem ser justificável. Contudo, para alguns, o único motivo de estar vivo é a imagem que de si reflete diante do espelho. Poderia dizer que este é o meu caso.
Minha vida segue sempre o mesmo ritmo. Acordo às nove da manhã, muitas vezes acompanhado. Como algumas frutas, pão e leite e começo uma rotina de trabalho que se processa em meu próprio quarto, na maioria do tempo. Muitos me chamam afortunado por poder me dar a tal luxo: tenho um mundo ao alcance de meu dedo. Falo com meus clientes pela internet, ouço clássicos da música mundial pela internet, a tv me informa o andamento da sociedade. E uma faxineira limpa o meu quarto que vive em eterna desordem, minha vida inteira cabe em 11,55m², 13,60m de perímetro, 3,30x3,50m. Neste espaço eu trabalho, como, me divirto, recebo amigos, fodo, etc. As atividades básicas de um cidadão contemporâneo desenvolvida na menor das arenas. Na verdade, o único motivo que me forçaria a ter de sair de meu quarto, se decidisse me manter refém em minha própria casa, seria o de ter de ver uma latrina na hora de defecar, sim, somente neste momento, pois poderia mesmo urinar por minha janela e não ser incomodado por isso, exceto pelo mau cheiro que o vento me traria.
Sim.
Mas este é um prólogo muito extenso, que não deverá estender-se muito. Pretendo falar de como eu decidi morrer. Calma meu leitor, esta não é a minha carta de suicídio. Suicídio é por hora tema fora de cogitação, deverás piegas. Simplesmente resolvi compartilhar um pensamento que me acometeu, quando me dei conta de minha semi-inutilidade. De quanto eu me tornei um cidadão vazio, quase um fantasma sem uma mansão que lhe justifique a presença.
Tenho uma vida invejável para muitos, não me canso de ouvir elogios o dia inteiro. Tenho sou totalmente independente de meus pais, mal terminei de me graduar e já consegui não apenas ingressar em minha pós-graduação como trabalhar em minha carreira como autônomo. Sou arquiteto, e não apenas tenho já meus próprios projetos, como leciono e estudo.
Tenho três obrigações mínimas por dia que simplesmente amo. Mas ainda assim me sinto vazio, inútil. Tenho a vida sexual que sempre pedi, tenho amigos que amo
Nossas historias serão vividas com toda a excitação que nos cabe, mas somente.
Mesmo para a Delfina da França a vida foi efêmera demais, e depois o vazio da morte, e o que dela vem de mais medonho, o esquecimento. Pois ao contrario o que aconteceu com Antoinette, a historia não falará de nos, não falará de mim. Pois sou medíocre. Inda pior, sou medíocre e recebi instrução e educação em níveis muito pouco saudáveis, e estas duas que são as drogas mais nocivas desenvolvidas pela nossa sociedade, retiraram muita da mistificação que nos leva, que me levaria, a ver a vida como um evento um pouco mais feliz. Um pouco menos destrutiva.
Pois a vida é sim destrutiva, e mais uma vez é a arte quem me fala disto. Pois vejo numa moldura a imagem de minha avó quando jovem, uma beleza que competia com a de Carmem Miranda, exceto por estar minha avó séria, sisuda. Minha avó é para mim um ótimo exemplo. Ela bebeu, amou, comeu, fudeu, jogou, reproduziu, tudo em grandes quantidades, em com a grande intensidade que apenas uma autentica leonina poderia demonstrar. Mas ao final de seus dias, estava velha, decrépita, muda, oca como a morte. E o retrato de sua moldura tinha ódio do estado em que se encontrava a modelo que lhe inspirou a existência. O retrato odiava a velhice da velha. Por isto estava tão sério. Minha avó passou pela vida e teve dela um saldo bastante positivo, pois viveu e teve todos os prazeres que desejou ter, mas pronto. Foi isso. Hoje ela vive na memória de três filhos, e uns dez netos. Suas irmãs pudicas e católicas fazem questão de esquecer de alguém que lhes mostrava o quanto suas vidas são fracassadas e estéreis como cinqüenta ave-marias, cinco pai nossos e um credo.
No entanto, ter vivido bem a sua vida foi exatamente o motivo da ruína de minha avó.
Hoje, preocupo me com cada fatia de alimento que entra em minha boca, mas mesmo assim quando me olho no espelho vejo a minha barriga a zombar de mim, como prova de meu fracasso, como prova que ela, a minha barriga não aceita a ordem estabelecida nos 11,55m² que eu governo. De que ela que é parte de mim tem sua própria autonomia e obedece a um ciclo que me foge ao controle. O ciclo da minha vida. Que deverá desenvolver-se como esperado. Que me fará um homem velho e feio, que não terá netos. Que viverá num apartamento numa cidade qualquer sem poder criar ao menos um cachorro. E que todas as manhãs escutará alguma música que me provará que apenas a beleza da arte não é consumida. E que meus grandes feitos estarão apenas na memória de meus irmãos se estes não fugirem desta vida antes de mim.
Certamente serei um homem velho com centenas de realizações, com muitas rugas, com uma barriga desobediente e com uma simples dúvida:
Para que?