quarta-feira, 27 de junho de 2007

MAU MUNDO

Vivo na era do terror, na era das crianças tecnológicas, dos supergênios, e dos hippies e petroleiros falidos que destruiram a única porcaria de planeta que eu tinha, se não tivesse a cabeça no lugar simplesmente eu não conseguiria ter forças para sair de casa ou nem sequer para ligar o meu computador e ler um e-mail, muito menos para ligar a tv. A cada hora descobrimos uma nova doença incurável, uma nova guerra interminável, me chegam pencas de e-mails apocalípticos sobre o fim do planeta, da água, do ar, da comida, da impossibilidade de se ter sexo, do fim de tudo. Agora mesmo acabo de ler um e-mail que me falava que em 20 anos teremos de tomar banho com toalhas de azeite. sinto mw no centro de uma ópera tecnológica, a ameça nuclear não é nada a comparamos a mídia terrorista. Hoje eu temo muito pouco aos ladrões que diariamente tentam me levar parte de meus ganhos na Bernardo Vieira, hoje, não há entidade, ser ou criatura que eu tema mais do que a mídia. A sociedade ocidental levou 19 séculos e meio para libertar-se da maldita repreensão cultural e do terror que as igrejas católicas e a raça dos calvinistas espalharam de Istambul ao Havaí, e justamente como filho da mediocrizinha geração paz e amor tivemos este aborto que é a imprensa globalizada. Afirmo e morro com a faca entrando, prefiro mil vezes ser um homem alienado e me resguardar o direito de não ver mais ao noticiário, de pouco me incomodar com o dinheiro que roubam na câmara e no senado, das falcatruas do presidente aleijado (assim como me recuso a chamar aleijado ou deficiente de "portador de necessidades especiais") do que perder o pouco da beleza que deixaram neste paizinho onde moramos, vendo as desgraças que ainda conseguem fazer com este planeta cansado. Aos dezoito anos de idade, tomei a decisão mais importante de minha vida: não compactuarei com a causa humana de destruir tudo aquilo que é belo que foi posto neste planeta e como tal não terei filho qualquer, desencorajo a toda união pecaminosa de um homem e uma mulher com fins procriatórios. Agora aos 23 toma a segunda decisão mais importante: lerei até o último romance ou poesia, ou crônica, ou manifesto, ou enciclopédia, ou o que quer que seja em termos literários, escrito antes da década de 1930 antes de morrer de tédio ou de medo a recorrer a imprensa. Que minha TV exiba diariamente Desperate Housewives, a Grande Família, o Chaves, o Zé do Caixão, ou mesmo Kelly Key a besta apocalíptica. Que eu seja o homem de todos o mais desinformado. Mas que daqui até a hora de minha morte, que me relembra a imprensa não tardará em chegar, eu possa viver a ilusão de ter ao menos um dia por semana para ir ver ao mar.

terça-feira, 19 de junho de 2007

leites derramados

Hoje queria simplesmente escrever para falar de um final, mas não pude, lutei, gastei uma hora e meia ao tentar e não me saiu nada. Entupimento de teclado. Mas posso escrever pelo menos por saber o motivo, não houve final nenhum, assim. Simples assim, o filme acabou logo depois do preâmbulo, não deu tempo nem para a apresentação dos personagens, acabou assim, como eu diria, como um filme que você pretendia ver na tv, mas que não viu porque faltou luz. Pronto. Mas consegui sobremodo escrever algumas coisas sobre pérolas, e isso que escrevi certamente será uma pérola, pelo simplíssimo alto teor de ridicularidade, pelo alto teor de descabimento e pelo auto teor de sonolência que tive de reter para escrever tal besteira. Mas que me perdoem os que lêem isto, os quais não acredito existir, por isso a coragem minha de postar, acredito piamente ser eu o único a ler o aqui escrito. Logo, segue:

PÉROLAS.

Sobre as pérolas, eu as dei muitas, em talagadas, sempre ao auge, coroado com as pérolas que derramava sobre ti, tal qual me oferecia das tuas. Mas as pérolas nunca foram o suficiente para manter alguém ao lado de ninguém, nesse caso toda meretriz seria fiel a seu cliente, nenhuma dama trairia seu marido.

Gostaria tão somente de esclarecer um ponto, um único: sempre fui um “drama queen”, sempre, mas hoje, escrevo por ser apenas um o drama a contar, apesar de todas as pérolas, apesar do que achei que sentia, percebo que no final, restou tão pouco, mas tão pouco, que ninguém sentiu sequer falta de algo. O gran finale não durou sequer cinco minutos, menos de 10 frases, talvez porque as pérolas fossem a única coisa verdadeiramente partilhada.

Não sei.

Mas cá entre nós, sabemos que para os homens nada é mais inútil que pérolas, seus banheiros são testemunhas disso: eu mesmo, sozinho, as deito fora quase duas vezes por dia, outra prova de sua inutilidade é a velocidade com que sempre temos de juntos, ir ao banheiro para tirar os nossos colares de sobre nós, às duas da manhã. Depois de um bom banho as pérolas já estão em seu devido local, a latrina, a fossa. Depois de um bom banho, a sensação libertária do alívio: vamos comer algo, por favor, sinto me exausto.

sábado, 9 de junho de 2007

DE QUASE NÃO SENTIR

30/06/2006

E eu quase não sinto....

Quase não sinto nada por aqueles que não conheço

Quase não sinto nada por aqueles que deveria amar...

E quase tanto quanto isso por aqueles que digo que amo

Pouco importa...

Palavras são ditas o tempo todo, a qualquer um, dizer significa muito pouco

No final, quase sempre são só palavras

E por o serem, são bem menos que vinho,

Já que o segundo costuma ter um prazo de validade bem maior

Além de, quando digno, enobrecer com o tempo

Não importa se

Algumas flores murcham num tempo menor que o de outras

Já que afinal, todas murcham, algo que foge ao seu controle

É a fatalidade por traz da realidade

Não me venha dizer que seu filho importa mais que o meu vinho

A mim não importa

Talvez a ti já que

Cada um de nos é egoísta ao seu modo

A ti preocupa tua miniatura barulhenta

A mim as minhas uvas podres

Tampouco o teu luto vale mais que minha ressaca

Cada um de nos é egoísta ao seu modo

Tu por teu defunto vazio

Eu por minha garrafa vazia

No final... há muito pouca dor neste mundo

E talvez uma única verdadeira

A dor da amputação

Seja de seus dentes

Seja daquela que dizia que te amava

Mas uma coisa é verdade

Dor só é dor de verdade

Porque nos impede de atingir aquilo que mais queremos

Nosso prazer

E há muito prazer neste mundo

E no final é só ele que importa

Seja através de um corpo vazio

Seja através de uma garrafa vazia

Importante é, apenas, não haver barulho, além do da rolha que escapa

domingo, 3 de junho de 2007

CINDERELA (01/05/05)

Perderam um sapatinho de cristal

No meio da rua, da avenida

Cristal de borracha sintética, 39

O pezinho cresceu

Foi uma Cinderela de vinte reais

Cheia de cerveja na cara

E uma língua de nicotina

Tão doce que era ácida

Perderam um sapato e acharam um vestido

Jeans de lavagem química,

Vestido que separa as duas pernas?

Que nada meu bem,

As Cindys de hoje são outras

Os cavalos são Honda

As carruagens Ford

E elas mesma dão carona

Usam OB,

Será?

(a maioria não precisará disso pois não têm fluxo a evitar)

Esquecem a camisa

De Vênus ou não,

No banheiro da boite

A Cindy hoje em dia

Tem um QI bem menor (que eu saiba nunca foi alto)

embora outras coisas possam crescer no meio do baile

Ela deixa o sapatinho de propósito no asfalto

Quando sobe em seu táxi

As cinco badaladas

Doze é a hora para entrar no vestido

Cindy só chega no final do baile

Para matar as outras de inveja

E o príncipe masturbador, a verdadeira princesa, de tédio

Cinderela que se preze, é imitação de Cinderela

Porque as Cinderelas autênticas sabem que o legal é não ser

Cinderela, Rapunzel, ou qualquer outra personagem

Montada por uma fada madrinha de peito depilado

Empastilhada

Que só conhece abóbora de Haloween

Para isso temos Ford

Cinderela que se preze usa 40 mas só veste 36

É imitação mas convence

E até apaixona

Príncipes e princesas

Afinal, um ou outro tanto faz.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

UMA MAÇÃ

Uma maçã, duas bananas, 400ml de leite, um pão, um ovo e presunto. Eis o começo de um dia, que começa sete vezes por semana. De um modo completamente previsível. Dentro da ordem do cotidiano. Todos os dias o sol nasce e com ele a rotina de cada um de nós. A maioria de nós têm muito pelo que levantar pela manhã: educar seus filhos, dar comida para os cachorros, etc. qualquer destas coisas triviais que fazem o dia de qualquer cidadão de bem ser justificável. Contudo, para alguns, o único motivo de estar vivo é a imagem que de si reflete diante do espelho. Poderia dizer que este é o meu caso.

Minha vida segue sempre o mesmo ritmo. Acordo às nove da manhã, muitas vezes acompanhado. Como algumas frutas, pão e leite e começo uma rotina de trabalho que se processa em meu próprio quarto, na maioria do tempo. Muitos me chamam afortunado por poder me dar a tal luxo: tenho um mundo ao alcance de meu dedo. Falo com meus clientes pela internet, ouço clássicos da música mundial pela internet, a tv me informa o andamento da sociedade. E uma faxineira limpa o meu quarto que vive em eterna desordem, minha vida inteira cabe em 11,55m², 13,60m de perímetro, 3,30x3,50m. Neste espaço eu trabalho, como, me divirto, recebo amigos, fodo, etc. As atividades básicas de um cidadão contemporâneo desenvolvida na menor das arenas. Na verdade, o único motivo que me forçaria a ter de sair de meu quarto, se decidisse me manter refém em minha própria casa, seria o de ter de ver uma latrina na hora de defecar, sim, somente neste momento, pois poderia mesmo urinar por minha janela e não ser incomodado por isso, exceto pelo mau cheiro que o vento me traria.

Sim.

Mas este é um prólogo muito extenso, que não deverá estender-se muito. Pretendo falar de como eu decidi morrer. Calma meu leitor, esta não é a minha carta de suicídio. Suicídio é por hora tema fora de cogitação, deverás piegas. Simplesmente resolvi compartilhar um pensamento que me acometeu, quando me dei conta de minha semi-inutilidade. De quanto eu me tornei um cidadão vazio, quase um fantasma sem uma mansão que lhe justifique a presença.

Tenho uma vida invejável para muitos, não me canso de ouvir elogios o dia inteiro. Tenho sou totalmente independente de meus pais, mal terminei de me graduar e já consegui não apenas ingressar em minha pós-graduação como trabalhar em minha carreira como autônomo. Sou arquiteto, e não apenas tenho já meus próprios projetos, como leciono e estudo.

Tenho três obrigações mínimas por dia que simplesmente amo. Mas ainda assim me sinto vazio, inútil. Tenho a vida sexual que sempre pedi, tenho amigos que amo em excesso. Mas ainda assim me vejo vazio a noite, rolando em minha cama. Hoje, estive deitado em minha cama e ouvi a Casta Diva de Bellini, e me dei conta de que eu já poderia morrer, de que na verdade sempre pude. Que minha vida está fadada a ser mais uma, como a de milhões de cidadãos comuns, e que por comuns, igualmente medíocres. Por um momento, tive uma revelação que me fez discordar de Wilde, descobri que a arte tem sim uma utilidade: mostrar-nos o quanto somos inúteis, ou melhor, corrijo me, desnecessários.

Nossas historias serão vividas com toda a excitação que nos cabe, mas somente.

Mesmo para a Delfina da França a vida foi efêmera demais, e depois o vazio da morte, e o que dela vem de mais medonho, o esquecimento. Pois ao contrario o que aconteceu com Antoinette, a historia não falará de nos, não falará de mim. Pois sou medíocre. Inda pior, sou medíocre e recebi instrução e educação em níveis muito pouco saudáveis, e estas duas que são as drogas mais nocivas desenvolvidas pela nossa sociedade, retiraram muita da mistificação que nos leva, que me levaria, a ver a vida como um evento um pouco mais feliz. Um pouco menos destrutiva.

Pois a vida é sim destrutiva, e mais uma vez é a arte quem me fala disto. Pois vejo numa moldura a imagem de minha avó quando jovem, uma beleza que competia com a de Carmem Miranda, exceto por estar minha avó séria, sisuda. Minha avó é para mim um ótimo exemplo. Ela bebeu, amou, comeu, fudeu, jogou, reproduziu, tudo em grandes quantidades, em com a grande intensidade que apenas uma autentica leonina poderia demonstrar. Mas ao final de seus dias, estava velha, decrépita, muda, oca como a morte. E o retrato de sua moldura tinha ódio do estado em que se encontrava a modelo que lhe inspirou a existência. O retrato odiava a velhice da velha. Por isto estava tão sério. Minha avó passou pela vida e teve dela um saldo bastante positivo, pois viveu e teve todos os prazeres que desejou ter, mas pronto. Foi isso. Hoje ela vive na memória de três filhos, e uns dez netos. Suas irmãs pudicas e católicas fazem questão de esquecer de alguém que lhes mostrava o quanto suas vidas são fracassadas e estéreis como cinqüenta ave-marias, cinco pai nossos e um credo.

No entanto, ter vivido bem a sua vida foi exatamente o motivo da ruína de minha avó.

Hoje, preocupo me com cada fatia de alimento que entra em minha boca, mas mesmo assim quando me olho no espelho vejo a minha barriga a zombar de mim, como prova de meu fracasso, como prova que ela, a minha barriga não aceita a ordem estabelecida nos 11,55m² que eu governo. De que ela que é parte de mim tem sua própria autonomia e obedece a um ciclo que me foge ao controle. O ciclo da minha vida. Que deverá desenvolver-se como esperado. Que me fará um homem velho e feio, que não terá netos. Que viverá num apartamento numa cidade qualquer sem poder criar ao menos um cachorro. E que todas as manhãs escutará alguma música que me provará que apenas a beleza da arte não é consumida. E que meus grandes feitos estarão apenas na memória de meus irmãos se estes não fugirem desta vida antes de mim.

Certamente serei um homem velho com centenas de realizações, com muitas rugas, com uma barriga desobediente e com uma simples dúvida:

Para que?